Eu odeio cigarro

Eu odeio cigarro. O cheiro horrível que impermeia em tudo, a podridão que a nicotina deixa por onde passa e as horas que eles roubaram de mim, são só alguns motivos de eu detestar essa merda. Mas, de tempos em tempos, me encontro com um aceso na mão. Fico imaginando se, nesses momentos, meu pai se faz a mesma pergunta que eu: “o que eu tô fazendo com a minha vida?”.
Eu nunca me considerei fumante, mas sim uma pessoa que fuma/fumou. A diferença é que nunca tornei isso um hábito mega recorrente, mesmo minha com mente quase me enganando sobre isso ser uma boa ideia. Já tentei justificar muitas vezes o motivo de acender um: “vai me acalmar”, “é uma ferramenta de socialização” e sei lá mais o que. Hoje, acho que é uma tentativa de fugir da ansiedade social e das angústias sobre meu futuro. Essas são umas das coisas que o remédio do psiquiatra não consertou sozinho (não que eu esperasse que fosse resolver).
Minha raiva com o maço surgiu bem cedo. Quando eu era criança, adorava brincar e jogar videogames com meu pai. Só que era recorrente ele ter que parar de ficar junto comigo e minha mãe para acender um cigarro. Ele nunca fumou dentro de casa, sempre na janela dos fundos do apartamento, para o cheiro não incomodar eu, minha mãe e o nosso passarinho. Não sei se isso é algo comum entre os fumantes de cigarro, mas meu pai me fez ter essa percepção de que muitos fumantes são conscientes do quão desagradável aquilo é pra todo mundo. Não acho que ele odeia cigarro, mas acho que ele odeia amar cigarro. Ele conseguiu ficar 17 anos longe do hábito por minha causa e eu sempre fui muito orgulhoso dele por isso. Mas recentemente, ele voltou a fumar todos os dias. E o ruim do vício é que ele é ainda mais gostoso quando você está muito tempo sóbrio, então não sei se de verdade ele conseguiria largar de novo, mas gosto de acreditar que sim.
Não o culpo por fumar. Sua família é cheia de fumantes, tios (no plural mesmo) tiveram câncer de pulmão ou envelheceram debilitados por alcoolismo, cigarro, aposta ou outras inúmeras coisas ruins. Crescer em uma família no limbo entre pobreza e classe média baixa, com uma mãe portuguesa que batia nele por tudo já são motivos por si só pra eu entender porque alguém gostaria de fumar um cigarro pra relaxar. Mas além disso, ele gostava de viver. É o arquétipo do pai que fez muita merda e viveu pra caralho quando moleque. Mas tenho certeza que no meio das aventuras, muitos traumas vieram juntos. Tanto que ele melhorou muito seu gerenciamento de raiva depois que entrou pra terapia, nos últimos anos.
Ele não sabe que eu já fumei e que também odeio amar cigarro. De novo, não sou fumante. Eu não tenho os “jeitos” e a prática pra fumar “do jeito certo” ou saber acender um cigarro com agilidade. Porra, eu ainda fico com as mãos tremendo um pouco quando vou colocar um na boca, como se eu ainda fosse uma adolescente careta fazendo algo errado pelas costas dos pais pela primeira vez. E eu prefiro que ele continue sem saber disso por um bom tempo, talvez eu até largue o cigarro antes dele saber de mim que eu fumei um. E sempre me sinto muito merda depois de fumar. A ideia de fumar é mais legal do que realmente fazer aquilo. Porque eu nem fico doidona pra esquecer os problemas, é só uma respirada funda misturada com uma porrada de químicos tóxicos, mas dá uma sensação breve de controle e de que vai ficar tudo bem. Pelo menos, isso você tem, um cigarro, que não resolve ou some com os problemas, mas dá tempo de pensar, refletir ou conversar com outra pessoa que também tá fumando. Ficar longe do barulho, sabe?
Mas fumar não vale a pena, é realmente só muita propaganda foda que deu muito certo por muitos anos. Hoje em dia tem formas melhores de jogar dinheiro fora pra gratificação instantânea e de curtíssimo tempo.